sexta-feira, 2 de abril de 2010



Proficiência:
Livro Urbano

Pintados sobre pilastras de concreto do Viaduto do Caju, às portas do Rio de Janeiro, os escritos murais do Profeta Gentileza formam um autêntico Livro Urbano, aberto à toda cidade.
Numa extensão de um quilômetro e meio, alinhados em seqüência, 56 escritos testemunham, para a população, a mensagem de um profeta inscrito no mundo contemporâneo. Essa obra, iniciada em meados dos anos 80 e concluída no início dos 90, representa a própria maturidade do relato do Profeta.
Gentileza estudou o local e escolheu previamente os temas de cada pilastra. Os escritos não estão localizados aleatoriamente, nem, tampouco, as pilastras figuram apenas como suporte para estes.
O Livro Urbano de Gentileza, como entendemos, se inscreve naquele local, demarcando um grande território. Num extremo, configurando uma região desse território situa-se a Rodoviária Novo Rio, lugar natural de chegada na cidade e onde se inicia a numeração dos seus escritos; no outro, nas imediações do Cemitério do Caju, configurando outra região, o Profeta se valeu da disposição das pilastras para criar um autêntico portal de chegada ao Rio de Janeiro.
A pilastra numero 1, VVVERDE e VIDA BEM VINDO AO RIO, situa-se no entroncamento das avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. Essa pilastra foi assim numerada, não por ser a primeira de uma seqüência em fila, mas por situar-se, exatamente, num ponto (nó) para onde os olhares convergem no extremo de chegada próximo à Rodoviária. No outro extremo, sobre a pilastra 55, Gentileza escreve - MEUS FILHOS NOSSA CABEÇA NOSSO MESTRE O e MUNDO e UMA ESCOLA AMORRR - marcando outro início de seu território/livro.
O teor desse Livro feito sobre concreto, e o fato deste marcar os primeiros ensinamentos que as pessoas deveriam adquirir e guardar, nos trazem também a idéia de uma cartilha. Gentileza criou, com sua mensagem, uma cartilha dos preceitos básicos de sua filosofia popular, de sua religiosidade e visão de mundo. O conteúdo básico de sua pregação se encontra ali decalcado sobre as pilastras do viaduto, tábuas de seus ensinamentos. Seguindo a pilastra 55, o transeunte se depara com a escolha primeira do ensinamento ético do Profeta: ou GENTILEZA ou FAVOR, ou agradecimento (AGRADECIDO) ou obrigação (OBRIGADO). É este o conteúdo das pilastras 54, 51, 49, 48, 47 e 46. O caráter territorial da obra do profeta ganha aqui toda ênfase: os temas da Gentileza e do Favor, do Agradecido e do Obrigado são lançados em pilastras que sustentam, de cada lado, os pórticos de entrada deste território. A escolha implica em libertar-se na adesão à gentileza e ao agradecimento ou em escravizar-se no favor e na obrigação, vínculos do CAPETA CAPITAL.
O final dos anos oitenta e início dos noventa marcaram a consagração da obra de Gentileza. Seus escritos, ali colocados, criavam percepções e perguntas: quem os teria feito e por quê? Outra parte da população, que transitava diariamente pelo Caju, acostumou-se a ver Gentileza trabalhando sozinho, diariamente, sobre uma escada apoiada à pilastra.
Gentileza estabeleceu um vínculo afetivo com toda aquela região, entre o Caju e a Rodoviária. Esses laços estenderam-se, também, às pessoas que lhe acenavam e o reconheciam como um símbolo de abnegação e generosidade.
Concluída a obra, o alcance da sua inscrição territorial sobre a cidade, torna-se impressionante. Como slides diurnos, seus escritos passam a constituir a maior manifestação de arte mural pública de caráter espontâneo no Rio de Janeiro. Sua nova atitude - de escriba da cidade - reaviva sua figura lendária e mitológica.
Os escritos do Caju representam a obstinação e o desejo de um Profeta em fazer perenizar o seu verbo. A solução, por ele encontrada, mostra a agudeza de seu senso estético. Pilastras de sustentação de um viaduto, aparecem-lhe como tábuas de ensinamentos na cidade. Esta apropriação da paisagem, levada adiante nos seus escritos, marca, profundamente, uma mudança na apreensão da imagem daquele local. A partir de sua intervenção, seu Livro Urbano torna-se a própria referência daquele território da cidade.

Fonte: "Brasil Tempo de Gentileza" - Leonardo Guelman

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